segunda-feira, 15 de junho de 2009

Querida Imortal...

Conto antigo....




Não houve um dia desde os meus cinco anos em que deixei de observar aquela casa na Avenida Afonso pena. Curiosidade infantil sem nenhum Preâmbulo do futuro? Provavelmente. Sempre passava em frente à casa, com uma de minhas mãos segurando uma vareta que incansavelmente passeava pelas grades que cercavam a residência.
Enquanto isso a minha outra mão estava sendo fortemente puxada por minha mãe para que eu parasse de bater a vareta nas grades. Ora, eu era um menino de quatro anos. Não estava ligando se atormentava os cachorros, ou qualquer um que ali vivia. Queria mesmo era ouvir o “tec tec” e sentir minha mão tremendo.Simplesmente uma daquelas coisas que crianças gostam, e que, com o passar dos anos, se tornam completamente sem sentido. Mas minha diversão sempre acabava da mesma maneira, quando- sem nenhum aviso- minha mãe tomava a vareta da minha mão e falava que ali tinha uma bruxa, e que ela ia me pegar se eu não parasse.
Como eu chorava. Uma criança em 1920 era bem diferente de uma nos dias de hoje. Acreditávamos em tudo que nos diziam, principalmente quando quem falava era um de nossos pais.
O tempo passava. Ocorreu a breve visita dos reis da Bélgica, a mudança do nome da Praça 12 de outubro, para sete de setembro, a chegada do obelisco, também conhecido como “pirulito”. Finalmente chegamos em 1931, na minha adolescência. Eu era o típico adolescente mineiro de 16 anos. Flertava com as jovens na praça da liberdade aos domingos de manhã, ia a barzinhos e clubes, e até uma simples caminhada pela cidade jardim conseguia ser bastante divertida.
Em uma dessas caminhadas conheci Rosa Bohrer, Uma jovem senhora de 36 anos, casada com um alemão. Conversamos por horas a fio, ela me falou que eu a fazia voltar à adolescência. Rosa era uma mulher encantadora no auge de sua beleza, como se nunca tivesse passado dos 25. Mantinha os cabelos longos, bem diferente da moda da época. Grandes olhos azuis em contraste com a pele bronzeada e o cabelo mel. Era realmente de uma beleza única.
Já eu era um menino, que já deveria ter as formas de um homem, mas pouco tinha. Era magrelo, cabelos castanhos e lisos caindo no rosto cheio de sardas. Também era bem pequeno. Era menor do que Rosa!
Esses pensamentos passavam pela minha cabeça, mas mesmo assim não consegui controlar minha atração por ela.
Ao fim da conversa andamos pelo parque municipal até chegar à Avenida Afonso pena. Continuamos a caminhar até que Rosa parou em frente à casa em que eu costumava batucar com a vareta nas grades. “É aqui que eu moro” Disse ela. Não posso negar, fiquei espantado.
Minha mãe estava certa. Existia uma bruxa naquela casa e ela conseguira facilmente me enfeitiçar. Ela era minha Medéia. Com pesar nos despedimos, e, por cerca de três meses, não vi Rosa.
Quando voltei a encontrá-la foi por acidente. Estava passando pelas redondezas e a vi correndo atrás de um cachorro. Era um grande akita negro, ela jamais conseguiria pegá-lo. E eu com intuito de ajudar cerquei o cachorro e o segurei. Confesso, foi uma atitude estúpida da minha parte,mas, quando vi Rosa ali correndo, não pensei no cachorro como um ser vivo, não pensei que ele tinha dentes, e nem uma mandíbula bem forte para se defender.Muito menos que seria visto como uma ameaça para ele. O resultado vocês já sabem, uma bela mordida no meu braço direito. Mas eu não posso realmente reclamar dessa mordida. Alguns minutos depois, o akita estava preso e eu sentado na sala de estar da casa de Rosa. Ela veio correndo com uma caixa de primeiros socorros e limpou e enfaixou meu ferimento.
Descobri que ela era enfermeira, e que havia conhecido o marido enquanto o socorria em um hospital alemão. Uma história bem comum na época, muitos se conheciam assim. Nós conversamos por muito tempo novamente. Porém dessa vez nossa conversa se tornou mais íntima, e acabei percebendo o quanto ela era infeliz. Nunca tivera filhos, e o marido só aparecia a cada três meses. Rosa era uma mulher da elite belo-horizontina, entretanto, uma mulher solitária. Apesar do desejo de beijá-la, eu era tímido demais para isso. Foram suas mãos que primeiro acariciaram meus cabelos e depois sua boca que colou na minha. Logo nossos corpos fizeram o mesmo.
Eu era um poço de felicidade, porém, Rosa estava se achando a pior das pecadoras. Falou que havia abusado de minha inocência, que tinha idade para ser minha mãe. Ela estava desesperada e me pediu para que não contasse para ninguém. Eu concordei dizendo que jamais falaria sobre aquilo. Falei que a amava, mas ela me disse que eu estava apenas sendo levado pelo momento, que não devia acreditar naquilo.
Então ela finalmente falou o que mais me magoou. Que não poderia mais me ver. Isso acabou comigo, era como se cem facas cegas tentassem cortar a minha carne sem nenhuma pressa. Não me importava em nunca mais sentir o toque de seus lábios ou o calor de seu corpo; eu apenas queria sua companhia às vezes. Deixei a casa, talvez com o braço melhor, porém com a alma dilacerada. Dois anos se passaram rapidamente, e meus pais me mandaram para estudar no rio de janeiro. Conheci diversas moças, e por um tempo me esqueci de Rosa. Fiquei noivo de uma jovem carioca chamada Lourdes, finalmente era feliz de novo.
Em 1936 retornei a Belo horizonte, Tanto para anunciar aos meus pais o noivado, tanto para ver a exposição de arte moderna que acontecia na cidade naquele ano. Foi então que a vi novamente, e percebi que o impossível estava acontecendo. O tempo estava lançando seu impiedoso olhar sobre Rosa. Em apenas quatro anos os sinais da velhice a alcançara. Já apresentava algumas rugas, mas o que mais chamava a atenção eram seus olhos, antes tão vivos, e agora pareciam tristes e perdidos.
Tomei coragem e fui falar com ela. Eu não esperava, mas ela foi receptiva e calorosa comigo. Falou que eu tinha me tornado um belo rapaz. Conversamos menos intimamente do que daquelas duas vezes. Falei com ela que estava noivo e que me casaria quando me formasse. Ela me deu os parabéns e desejou que eu fosse muito feliz.
Então me despedi dela, porém fui impedido de ir embora por sua mão trêmula, que segurava na manga do meu terno. Me virei para ela e por um momento achei que fosse me beijar; mas eu estava enganado. “Rosa sussurrou ao meu ouvido: “Obrigado” E antes que eu pudesse me perguntar o porquê ela continuou: “Obrigado por me fazer lembrar de quem eu realmente sou, obrigado por me emprestar seu tempo, obrigado por aquecer essa alma que a muito tempo estava perdida no frio e vazio da solidão.Obrigado por simplesmente prestar atenção em mim, e por me fazer sentir como algo vivo de novo. Você me deu em dois dias o que eu não tive em 16 anos de casamento. “Oh meu Deus como eu te amo.”
Ela havia me enganado. Minha Medéia.Como podia ter dito aquelas coisas quatro anos atrás? Estava confuso, e finalmente fiz a única coisa que poderia ser feita naquele momento. A abracei e beijei, em meio à exposição, não me importando com quem estivesse ali e o que estivessem pensando. Estava tão feliz que era como se nada existisse; Lourdes, meus pais, Todos os habitantes de BH que presenciavam aquela cena. A única coisa que importava é que ela estava em meus braços.
Mais tarde ela me disse que havia se desquitado do marido. Que não se importava, mas não agüentava mais aquele casamento. Agora era mal vista pela sociedade, e que não mais se importava. A única coisa que importava era sua filha a pequena Maria. Perguntei a idade da menina, na hora não se passava pela minha cabeça que ela poderia ser minha filha,o que fiquei sabendo algumas semanas mais tarde. Vi que agora não conseguiria abandonar Rosa, mesmo com sua insistência para que me casasse com Lourdes.
Voltei ao rio, terminei a faculdade e também o noivado que havia deixado pendente. Novamente em Belo horizonte, me casei com Rosa e vivi com ela até o inicio dos anos setenta, quando infelizmente ela faleceu.
Hoje tenho 94 anos, e nunca me casei de novo. Estou próximo da morte, posso sentir isso. Não me apavoro diante dela como as pessoas costumam fazer, Deixo aqui meus herdeiros e de Rosa. Meus queridos eu os amo muito e nunca deixarei de amar, tanto quanto como minha medéia, meu amor imortal. Então deixo aqui o meu relato para as futuras gerações. Não importa a idade, o sexo, a raça ou qualquer outro fator que venha a lhe causar alguma dúvida boba e sem razão. Se entregue ao amor, e não se importe com os olhares que lhe serão lançados.

Com Carinho,
Pedro Araújo.

Um comentário:

  1. E porque se importar com oq os outros vão pensar, se vc sabe q é certo? xD Impressionante como a opinião alheia influência em nossas vidas, a questão é saber o quão longe devemos deixá-las entrar...

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